Um galho de arruda e o poder de livrai-nos de todo o mal

Quando eu era menino, de tempos em tempos, minha mãe me levava a uma benzedeira. Era na zona Sul de São Paulo. Era uma mulher negra, já de idade bastante avançada. Cabelos brancos cobertos por um lenço, corpo magro, pele enrugada pelo tempo e um olhar doce que me acalmava pela doçura. Os olhos dela eram azulados, o que denunciava sua idade avançada. Ela morava em um casebre com paredes de barro. Quando chegávamos, um homem alto, negro e descalço nos recebia. Ele, então, adentrava o casebre e anunciava que havia gente em busca de suas bençãos e orações. Instantes depois, ela autorizava a entrada. Eu, uma criança, me recordo do encantamento com aquela atmosfera. No canto, um fogão à lenha espalhava uma neblina branca no ambiente, misturado com o cheiro de madeira queimada por toda a casa. A benzedeira calmamente me puxava com uma doçura inesquecível. Com um galho de arruda nas mãos, pronunciava palavras incompreensíveis para mim. Mas eu notava que irradiava dela uma força e energia que me intrigava: como uma mulher de aparência tão frágil emitia tanta força. Eu, envolto numa espécie de círculo energético, recebia dela o que em Portugal, recebe o nome de “endireitas”, ou seja, pessoas que têm o poder de endireitar o outro. A arte ancestral que vem do latim “benedico”, que significa “louvar ou abençoar algo ou alguém, bendizer, glorificar”. Eu podia sentir que ela acariciava minha alma. Este ritual demorava uns vinte minutos talvez. Não me lembro. Mas era tão suave e agradável que nunca mais eu esqueci a sensação. Ao final do bendizer, ela não pedia nada em troca. Mas deixávamos dinheiro ou algum mantimento que ajudava a manutenção de sua missão de acalmar e acalentar a alma de crianças e pessoas. Outras benzedeiras passaram por minha vida na infância e puberdade. Mas esta, que sequer recordo o nome, deixou marcas em minha formaçao como ser humano. O arquétipo da benzedeira com um ramo de arruda nas mãos, dizem que elas utilizavam qualquer erva que possuam no quintal. As benzedeiras acreditam que todo e qualquer galho de ervas carrega o poder do benzer. O poder de retirar das pessoas todo mal que as aflige. A ideia é a de que qualquer galho tem o poder de transportar de volta para a natureza, tomar conta e transmutar todas as cargas e doenças, removendo das pessoas os males de toda a espécie. No dia da consciência negra, minha imagem é da benzedeira negra, velha, tão doce e suave como o colo de nossas mães.

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