Um fenômeno social chamado esporte

Falar do esporte moderno é necessariamente falar, entre outras coisas, do instrumental civilizador e funcional em que sua criação transformou-se ao longo do desenvolvimento do modelo capitalista-urbano-industrial na Inglaterra, onde foi aperfeiçoado no seu conceito matematizado e temporal. Depoiss de estruturado, foi levado junto com as ferrovias, os teares e a maquinaria para o restante da Europa, para a Ásia e as Américas.
Não há como fazer referência ao esporte no sentido histórico sem citar a história da construção dos conceitos que hoje falam sobre juventudes e comportamentos sociais. Ambas as construções conceituais surgem com a modernidade e partem da idéia iluminista de igualdade e de construção da identidade individual, conceitos transformados pela Revolução Francesa e pelo próprio desenvolvimento capitalista.
A adoção do esporte e seu posterior uso instrumental, seja na sua incorporação como conteúdo da educação física escolar, na recreação ou na dimensão do lazer, traduz uma das essências do modo de produção que cria métodos eficazes para aumentar a produção, coma a linha de montagem, onde o trabalho passa a ser dividido na linha de produção, valorizando a fragmentação da técnica.
O esporte moderno como técnica corporal, que estimula a repetição de gestos, educa o comportamento para as relações sociais passa a ser capaz, principalmente, de preparar o corpo para o novo mundo do trabalho que necessitava, então, de pessoas “saudáveis” capazes de suportar longas jornadas de trabalho. Daí surge a necessidade de enxergar o ser humano não como algo único, mas como uma forma de vida biológica dividida em etapas, não sendo mais possível tratar a criança e o jovem como um homem em miniatura, mas como uma etapa do desenvolvimento e crescimento fisiológico, sob o risco de comprometer a utilização da futura mão-de-obra para o produção.
Durante o século XVII, o conceito de esporte era vinculado aos divertimentos das classes altas inglesas, fato que se constitui numa espécie de marca distintiva da nobreza. Alguns jogos coletivos ingleses que eram denominados por passatempos foram esportivizados nos séculos XIX e XX, e são comumente tratados pela literatura como
“esportes modernos”, mas o conceito refere-se ao esporte moderno como fenômeno único que está ancorado em normas e regras definidas por espaços e tempos próprios.
Adotado, então, nas escolas públicas da Inglaterra entre 1845 e 1862 (ELIAS & DUNNING, 1992), por sugestão de Thomas Arnold, educador que exerceu grande influência na definição dos conteúdos educacionais durante a chamada era Vitoriana. A idéia de controle dos impulsos violentos e a construção de padrões de comportamento socialmente desejados foram determinantes para convencer a rainha da importância de sua introdução inicialmente nos recreios escolares e na seqüência como conteúdo escolar. Por demonstrar ser de fácil assimilação aos seus praticantes, principalmente por seus aspectos pedagógicos, já então regulamentados por regras, adotado enquanto técnica corporal capaz de controlar e educar os corpos dos jovens e ao mesmo tempo prepará-los para o novo modo de produção; por seu papel político para uma economia baseada no contrato social e na propriedade privada dos meios de produção, onde o respeito às regras seria fundamental para a garantia do trabalho assalariado e do lucro; por auxiliar no controle de doenças e na disseminação de conceitos de higiene e saúde públicas; e por organizar e impor limites às antigas práticas como o mass football caracterizado pela violência na Inglaterra medieval.
Ao mesmo tempo, o esporte moderno tornou-se uma grande possibilidade de lazer e entretenimento para a população que passou a aglomerar-se nas grandes cidades em um processo contínuo de alteração do modelo rural para o urbano, movimento que atravessou o século XIX e XX. Ou, como sugeriu Norbert Elias “O simples fato de nos integrarmos a uma multidão expectante é quanto basta para nos sentirmos excitados”.
A massificação e a adoção do esporte moderno, notadamente o futebol é o que merece maior destaque, deve-se também à sua forma mais agradável ao praticante em relação aos métodos ginásticos, possibilitando resultados semelhantes aos proporcionados pelos métodos ginásticos herdados da preparação física nos exércitos. Mas o esporte moderno leva uma ligeira vantagem em sua adoção em relação aos métodos ginásticos, que é a capacidade de ensinar a respeitar as regras e normas, reproduzindo a idéia de coletivo, de tempo e de espaço, além de ser mais dinâmico e agradável de ser praticado por jovens em idade escolar.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog