Os Craques de Sempre

Aos trinta e poucos anos, com sorte de não ter conseguido uma lesão grave, todo jogador de futebol sabe que chegou a hora de encerrar a carreira. Alguns param com algum dinheiro guardado, outros, a maioria, sem muito dinheiro. Mas todos têm que começar uma nova vida, o que pode não ser muito fácil para alguns.
A cultura do futebol profissional no Brasil, que privilegia o resultado e a performance desde cedo, não dá muito espaço para a preocupação com a formação humana e escolar. São raros os casos de atletas profissionais que conseguiram dar seqüência e concluir os estudos. Sócrates, Afonsinho, Tostão e Badeco são alguns dos mais conhecidos casos. São muito poucos em um universo que se renova todos os anos.
Gerações fantásticas de atletas profissionais e que encantaram multidões de torcedores fizeram de clubes como Corinthians, São Paulo, Palmeiras, Santos e Portuguesa gigantes no universo da bola, mas foram ou são esquecidos e descartados por seus ex-clubes. Enquanto na Alemanha, por exemplo, ex-jogadores da seleção se alternam no comando da equipe nacional, no Brasil, ex-atletas são impedidos de trabalhar em clubes, como é o caso da Sociedade Esportiva Palmeiras. Os jogadores são os baluartes e a história viva das glórias e conquistas que faz do futebol o fenômeno universal no qual se transformou.
Dorval, Mengálvio, Coutinho Pelé e Pepe, muitas pessoas pelo mundo viram, ouviram ou ouvirão a pronúncia desta que foi uma das maiores linhas de ataque de toda a história do futebol mundial. Foram eles que tornaram o Santos Futebol Clube um dos maiores símbolos clubísticos do século 20.
Mas não foi só o Santos que teve grandes personagens. Bataglia, Geraldão, Adãozinho, Basílio, Ataliba, Zé Maria e Tião, por exemplo, deixaram/fizeram história no Corinthians, o mais popular dos clubes de São Paulo. Ou então Ademir da Guia, Dudu, Minuca, Leivinha, Eurico, Nei e Edu Bala, que ajudaram o Palmeiras a marcar uma época como a Academia de futebol. Ou Servílio, Wilsinho, Badeco, Paes, Orlando e Félix que pela Portuguesa de Desportos fizeram história e a colocaram entre os grandes do Brasil.
Os jogadores são, além de ídolos, heróis do imaginário cultural de um país que cultua o futebol acima de muitas outras coisas. Figuras lendárias, capazes de relatar feitos e histórias fantásticas, como bruxos que fizeram da bola o ópio da alegria. Causos da vida e dos bastidores do dia-a-dia de jogos e treinamentos. Personagens únicos e adorados. Líderes, pois conseguem por onde passam mobilizar pessoas em torno de suas imagens. Portanto, perfeitos para promoverem e participarem de ações que transcendem a dimensão do simples jogo e que pode ir, com facilidade e ousadia, além do futebol.
Há muito tempo, vários ex-jogadores desenvolvem junto às comunidades de onde saíram projetos que vão desde escolinhas de futebol ao patrocínio de festas de natal, de dia das crianças, entre outras. Basílio é um exemplo destes que há muitos anos, desde a época em que ainda jogava profissionalmente, desenvolve ação social com sua comunidade. Situada na Casa Verde, o Cruz da Esperança mobiliza a comunidade em torno de ações sócio-culturais e esportivas e a presença de atletas e ex-atletas de futebol é comum por lá.
Outros como Deodoro trazem esta experiência de muitos anos trabalhando com jovens em áreas de risco e violência. Alguns ajudaram a iniciar este tipo de trabalho junto a comunidades a partir de programas públicos, como é o caso de Luis Carlos Galter, ex-zagueiro do Corinthians nos anos 1970 e um dos melhores marcadores de Pelé, segundo o próprio Pelé. Ou o Zé Maria, considerado o maior lateral direito da história do Corinthians. Talvez, o fato de eles terem jogado pelo clube de maior apelo popular de São Paulo os tenha incentivado a atuar junto aos jovens.
Já nos anos 1990 o governo do Estado de São Paulo percebeu o poder de mobilização que ex-atletas exercem sobre as pessoas. Juntou uma centena de grandes ídolos do passado e deu-lhes a tarefa de abrirem escolinhas de futebol em várias cidades do Estado. Entretanto a eles foi dada idéia única de ensinarem futebol, o que por si só não basta.
Esta experiência não teve muito tempo de vida e fracassou pela ausência de conteúdo e a falta de motivação principalmente dos ex-atletas envolvidos, que em grande parte promoveram um esvaziamento do projeto, o que acarretou em seu fechamento.
Algum tempo depois o projeto foi retomado pela Secretaria Municipal de Esportes da Cidade de São Paulo, sob o nome de Futebol Comunitário. Dezenas de ex-atletas iniciaram uma invasão aos CDMs e campos em sistema de rodízio. Uma bola na mão, alguns pares de coletes e milhares de jovens ávidos em descobrir os segredos do futebol, ainda mais quando o responsável era alguém que viveu dentro das quatro linhas, durante quinze ou vinte anos, o dia-a-dia e as rotinas de treinamentos, concentração, jogos, assédio de fãs e da imprensa, tensões antes de jogos decisivos ou importantes.
Enfim, a chance de conhecer de perto alguns ídolos, na maioria das vezes não dos jovens, mas dos seus pais, tios, avós e irmãos mais velhos. Histórias sobre as tabelas de Pelé e Coutinho, ou das jogadas mágicas de Servílio, o Bailarino. Ou de uma tarde fria de um domingo qualquer de 1971, quando Corinthians e Palmeiras fizeram um jogo memorável, em um histórico 4 a 3. Nesta tarde os dois maiores rivais do futebol paulista conheceram Adãozinho. Canhoto e dono de uma habilidade impressionante com o pé esquerdo que conduziu à virada em favor do Corinthians em um jogo que apontava uma possível goleada do Palmeiras de Leão, Ademir da Guia, Leivinha e Dudu. Antes, na primeira edição da Taça São Paulo de Futebol Junior, em 1969, Adão Ambrósio, o Adãozinho, deu ao Corinthians o título de campeão daquela que se transformou na maior competição sul-americana de futebol de base. (5) nota rodapé com nome de todos os craque de sempre
Além dos vários ídolos importantes do futebol brasileiro e mundial citados anteriormente, há um que merece um capítulo especial. Ele é o senhor Sebastião Miranda, o Mirandinha. Veloz como ninguém, fez de 1971 a 1974 no esplendor de sua juventude, dezenas de marcadores desaparecerem no rastro de suas maravilhosas arrancadas em direção ao gol adversário. Ele era capaz de correr cem metros em dez segundos, deixando os torcedores extasiados. Mirandinha jogou no Corinthians, no São Paulo, e pela seleção brasileira na Copa do Mundo de 1974, na Alemanha. Foi no mesmo ano da Copa que teve início sua tragédia pessoal e que se arrastou por três anos.
Ao retornar da seleção brasileira para o São Paulo Futebol Clube depois de participar da disputa da Copa do Mundo, onde o Brasil acabou ficando com o quarto lugar, ele sofreu uma fratura na tíbia e na fíbula durante um jogo do São Paulo contra o América de Rio Preto, cidade do interior de São Paulo, que curiosamente foi onde ele nasceu e iniciou a carreira. A partir deste dia e por mais longos três anos ele viveu a amargura dos hospitais e das salas de cirurgia. Em dado momento os médicos cogitavam a hipótese de amputação de sua perna lesionada. Até que finalmente, a 17ª cirurgia pôs fim ao seu sofrimento. Cicatrizando, os ossos de sua perna cessaram uma osteomielite e puseram fim àqueles terríveis longos dias de recuperação. Doze quilos mais pesado e a esperança o levaram de volta aos campos de futebol.
Sua família foi o grande sustentáculo e apoio de suas noites de angústia e sofrimento. Logo a seguir ele pode voltar aos gramados jogando e ainda sagrou-se campeão brasileiro pelo São Paulo FC, em 1977, numa memorável conquista diante do Atlético Mineiro e de um Mineirão lotado. Ele é um símbolo de garra e superação que causou muita comoção e alegria com o seu retorno.
Dr Ivan Manoel de Oliveira, ou simplesmente o Badeco, foi o capitão da Portuguesa de Desportos que dividiu o título de campeã Paulista em 1973, e que também é curiosamente o último título de campeão paulista do maior de todos, o Rei Pelé. Fato inusitado na história do campeonato paulista, Portuguesa e Santos acabaram dividindo o título daquele ano por conseqüência de um erro de contagem na cobrança de pênaltis, depois de um longo jogo de 120 minutos. Badeco ainda viveu mais uma decisão de campeonato pela Portuguesa, desta vez contra o São Paulo FC, em 1975. Depois transformou-se em delegado da Polícia Federal, onde também fez carreira e ainda hoje é respeitado pela seriedade e honestidade com a qual trabalhou, sempre respeitando todos e todas.

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