Ensinar a aprender o que nos ensinaram
O cenário já estava desenhado. A tarefa inicial de diagnosticar o programa de futebol comunitário demorou alguns meses e precisou do auxílio de todos os departamentos da Secretaria Municipal de Esportes. Depel (Departamento de Promoções Esportivas e Lazer), Dueat (Departamento de Unidades Educacionais Autônomas) e Dued (Departamento de Unidades Educacionais), além da coordenação que assumiu o Futebol Comunitário.
No processo de diagnóstico, que tinha um objetivo muito técnico e de levantamento de números de atendimento de crianças, uma coisa ficou evidenciada: era preciso manter o programa de futebol, mas otimizar, ampliar e vincular à educação o seu acesso e permanência.
O trabalho que cada um desempenhava deixou à mostra o que era importante e o que não era necessário ser mantido.
Poder público, ex-atletas, na maioria de futebol, a comunidade organizada nos CDMs e equipes de várzea e algumas centenas de professores de educação física (TEFs) da Prefeitura de São Paulo. Estes eram os elementos envolvidos e aguardando uma solução de continuidade, que exigiu concentração e cuidado. O primeiro sinal apontado pelo diagnóstico foi o de que o Futebol Comunitário propiciava um baixo atendimento - cerca de cinco mil crianças participavam do projeto - até então. Falta de controle, falta de materiais básicos, como bolas e coletes. Poucas parcerias - a única existente era com a Toyota. Porém, era uma relação quase informal, sem nenhum documento que estipulasse deveres e direitos ou um cronograma de ações. Muito pouco para o potencial que possuía o projeto.
Então vieram os primeiros contatos com o programa nos campos de terra (CDMs e campos em sistema de rodízio) da periferia paulistana, o que ajudou a resgatar a importância cultural do futebol na formação da identidade paulistana e brasileira.
Na periferia da Cidade Ademar, zona Sul de São Paulo, no Jardim Niterói, por exemplo, foi possível encontrar o futebol e o tráfico lado-a-lado, dividindo o mesmo espaço geográfico. O que mais chamou a atenção foi a atuação de lideranças da comunidade local como interlocutores entre o crime organizado e o programa de futebol.
E ficou evidente que os velhos ídolos do Corinthians, Palmeiras, São Paulo, do Santos e da seleção brasileira estavam acima das desconfianças, e o passado de cada um era o passaporte de acesso às áreas de risco e a garantia de possibilidades ainda maiores do que a bola.
Os momentos mágicos nos olhos de cada menino do Jardim Niterói, desfrutando da história que seus pais lhes contaram sobre feitos épicos daqueles que são os craques de sempre, foram cristalizando a certeza de que o futebol é um dos maiores patrimônios culturais e esportivos do Brasil.
A presença de um Coutinho, um Dorval ou João Paulo no dia-a-dia de crianças e adultos excluídos economicamente é fator que agrega auto-estima e orgulho às vidas nas comunidades da periferia. Um campeão do mundo, um campeão brasileiro ou paulista que fez, ao lado do Rei Pelé, milhares de gols, de dribles impossíveis, de feitiçarias, encantos e tabelas inesquecíveis, registrando para sempre nos contos populares tais feitos.
E não só a presença torna-se importante, mas principalmente a referência do exemplo vitorioso de quem teve a mesma origem pobre e que encontrou no futebol estímulos para construir sua própria identidade e dar alegrias e esperança, mesmo que volátil, a milhões de torcedores apaixonados.
E a cada dia, mais e mais figuras saíram do imaginário e ganharam forma, carne e osso. Em um treino no CDM do Jardim São Luiz I, no Jardim Ângela, uma das regiões mais violentas de São Paulo, pode-se encontrar Deodoro. Ex-zagueiro da Portuguesa de Desportos nos anos 1970, também jogou no Vasco da Gama e no Juventus, foi campeão brasileiro da série B, em 1984. Diante das crianças, com sua voz rouca, fala alto quando orienta os meninos franzinos, o que sugere para alguns dificuldade em se agüentar de pé em cambitos magros, mas cheios de energia e loucos para imitar o velho Deodoro, um dia, quem sabe, no Maracanã ou na Rua Javari.
Indo ao CDM do Jardim Noêmia, lá estava um dos dez maiores artilheiros da história do futebol mundial: Flávio Minuano. Centroavante encorpado, forte, bom de cabeça, dono de um chute poderosíssimo que lhe rendeu 1070 gols. E hoje, o goleador dos anos 1960/70, divide suas glórias com os meninos magros naquele campo de terra batida do bairro pobre da zona Leste da cidade.
Ao lado do campo, uma Delegacia de Polícia. Em suas celas, provavelmente haverá algum pai de um dos meninos que ao lado jogam futebol. Possivelmente presos aguardando transferência para um presídio ou julgamento, quem sabe. Pais que um dia foram crianças, e que como muitos sonharam um dia serem jogadores de futebol. Admiraram o segundo gol do Flávio Minuano que ajudou o Corinthians a quebrar o tabu de onze anos sem ganhar do Santos de Pelé e Coutinho, no Estádio do Pacaembu.
Que futuro maravilhoso seria poder ser jogador de futebol e simplesmente crescer e aprender a ser gente, aprender a sonhar, ganhar a cidade, ser feliz. Afinal, como diria Maiakovski “gente foi feita para brilhar e não para morrer de fome”.
No processo de diagnóstico, que tinha um objetivo muito técnico e de levantamento de números de atendimento de crianças, uma coisa ficou evidenciada: era preciso manter o programa de futebol, mas otimizar, ampliar e vincular à educação o seu acesso e permanência.
O trabalho que cada um desempenhava deixou à mostra o que era importante e o que não era necessário ser mantido.
Poder público, ex-atletas, na maioria de futebol, a comunidade organizada nos CDMs e equipes de várzea e algumas centenas de professores de educação física (TEFs) da Prefeitura de São Paulo. Estes eram os elementos envolvidos e aguardando uma solução de continuidade, que exigiu concentração e cuidado. O primeiro sinal apontado pelo diagnóstico foi o de que o Futebol Comunitário propiciava um baixo atendimento - cerca de cinco mil crianças participavam do projeto - até então. Falta de controle, falta de materiais básicos, como bolas e coletes. Poucas parcerias - a única existente era com a Toyota. Porém, era uma relação quase informal, sem nenhum documento que estipulasse deveres e direitos ou um cronograma de ações. Muito pouco para o potencial que possuía o projeto.
Então vieram os primeiros contatos com o programa nos campos de terra (CDMs e campos em sistema de rodízio) da periferia paulistana, o que ajudou a resgatar a importância cultural do futebol na formação da identidade paulistana e brasileira.
Na periferia da Cidade Ademar, zona Sul de São Paulo, no Jardim Niterói, por exemplo, foi possível encontrar o futebol e o tráfico lado-a-lado, dividindo o mesmo espaço geográfico. O que mais chamou a atenção foi a atuação de lideranças da comunidade local como interlocutores entre o crime organizado e o programa de futebol.
E ficou evidente que os velhos ídolos do Corinthians, Palmeiras, São Paulo, do Santos e da seleção brasileira estavam acima das desconfianças, e o passado de cada um era o passaporte de acesso às áreas de risco e a garantia de possibilidades ainda maiores do que a bola.
Os momentos mágicos nos olhos de cada menino do Jardim Niterói, desfrutando da história que seus pais lhes contaram sobre feitos épicos daqueles que são os craques de sempre, foram cristalizando a certeza de que o futebol é um dos maiores patrimônios culturais e esportivos do Brasil.
A presença de um Coutinho, um Dorval ou João Paulo no dia-a-dia de crianças e adultos excluídos economicamente é fator que agrega auto-estima e orgulho às vidas nas comunidades da periferia. Um campeão do mundo, um campeão brasileiro ou paulista que fez, ao lado do Rei Pelé, milhares de gols, de dribles impossíveis, de feitiçarias, encantos e tabelas inesquecíveis, registrando para sempre nos contos populares tais feitos.
E não só a presença torna-se importante, mas principalmente a referência do exemplo vitorioso de quem teve a mesma origem pobre e que encontrou no futebol estímulos para construir sua própria identidade e dar alegrias e esperança, mesmo que volátil, a milhões de torcedores apaixonados.
E a cada dia, mais e mais figuras saíram do imaginário e ganharam forma, carne e osso. Em um treino no CDM do Jardim São Luiz I, no Jardim Ângela, uma das regiões mais violentas de São Paulo, pode-se encontrar Deodoro. Ex-zagueiro da Portuguesa de Desportos nos anos 1970, também jogou no Vasco da Gama e no Juventus, foi campeão brasileiro da série B, em 1984. Diante das crianças, com sua voz rouca, fala alto quando orienta os meninos franzinos, o que sugere para alguns dificuldade em se agüentar de pé em cambitos magros, mas cheios de energia e loucos para imitar o velho Deodoro, um dia, quem sabe, no Maracanã ou na Rua Javari.
Indo ao CDM do Jardim Noêmia, lá estava um dos dez maiores artilheiros da história do futebol mundial: Flávio Minuano. Centroavante encorpado, forte, bom de cabeça, dono de um chute poderosíssimo que lhe rendeu 1070 gols. E hoje, o goleador dos anos 1960/70, divide suas glórias com os meninos magros naquele campo de terra batida do bairro pobre da zona Leste da cidade.
Ao lado do campo, uma Delegacia de Polícia. Em suas celas, provavelmente haverá algum pai de um dos meninos que ao lado jogam futebol. Possivelmente presos aguardando transferência para um presídio ou julgamento, quem sabe. Pais que um dia foram crianças, e que como muitos sonharam um dia serem jogadores de futebol. Admiraram o segundo gol do Flávio Minuano que ajudou o Corinthians a quebrar o tabu de onze anos sem ganhar do Santos de Pelé e Coutinho, no Estádio do Pacaembu.
Que futuro maravilhoso seria poder ser jogador de futebol e simplesmente crescer e aprender a ser gente, aprender a sonhar, ganhar a cidade, ser feliz. Afinal, como diria Maiakovski “gente foi feita para brilhar e não para morrer de fome”.
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